quinta-feira, 10 de junho de 2010

Olhos Azuis recebe boa crítica no site Pipoca Combo

Do site Pipoca Combo, por Virgilio Souza

       Qualquer brasileiro que já tenha visitado os Estados Unidos sabe como é sentir um frio na barriga antes de ser entrevistado pelos responsáveis pelo processo de admissão de estrangeiros. Em Olhos Azuis, que narra a história do policial Marshall (David Rasche, na melhor atuação de sua carreira), essa burocrática rotina é alterada quando a xenofobia e o ideal ilusório de proteção contra a “ameaça externa” falam mais alto que as normas de procedimento.
       Num primeiro momento, Marshall se vê prestes a se aposentar no Departamento de Imigração do aeroporto JFK, em Nova Iorque, e precisa indicar um sucessor entre seus dois assistentes, a abusiva e intempestiva Sandra (Erica Gimpel) e o correto Bob (Frank Grillo). Enfrentando problemas com o alcoolismo – ele começa a beber em sua festa de despedida, durante o expediente –, passa a cometer uma série de arbitrariedades contra um grupo de latino-americanos, expondo-os a situações vexatórias para, em tese, comprovar a veracidade de suas respostas e seu “direito a visitar a América”. Dentre os mais variados postulantes à admissão – que vão de um casal de argentinos carregando cocaína a uma bela dançarina cubana, passando por um grupo guatemalteco de lutadores de tae kwon do – encontra-se o brasileiro Nonato (um intenso Irandhir Santos), que tenta retornar aos Estados Unidos após ter visitado a filha no Brasil.

       Grande vencedor do Festival de Paulínia do ano passado, o brasileiro Olhos Azuis passou anos arquivado esperando financiamento e chega na próxima sexta-feira, 28, aos cinemas. É um retrato belo e corajoso da imigração latino-americana nos Estados Unidos e merece ser visto.

       Na sala do aeroporto em que os estrangeiros são entrevistados um a um, a tensão cresce gradativamente, na medida em que Marshall fica cada vez mais bêbado e intolerante. Paralelamente, a produção mostra, em recortes e sem anunciar uma ordem cronológica definida, dois outros momentos da vida do policial: o primeiro, em que ele está preso numa penitenciária; o segundo, anos depois, em que ele está no Nordeste do Brasil em busca de uma criança que, se encontrada, representará sua redenção. Nessa segunda situação, o protagonista – desamparado, decadente e já aposentado – encontra Bia (Cristina Lago), uma jovem aparentemente sem rumo que passa a ajudá-lo na procura pela garota.
       É nessa distinção entre a degradação e a redenção de Marshall que os méritos do roteiro de Paulo Halm e Melanie Dimantas e da direção de José Joffily mais aparecem. Nas cenas acontecidas no aeroporto, as cores – em tons quase únicos de azul e cinza – são frias e a câmera mostra o policial numa espécie de pedestal – enquanto as conversas entre os latino-americanos são filmadas de perto, as entrevistas são mostradas em quadros mais distantes. Nos momentos em que Marshall está no Brasil, por sua vez, sua busca incessante e afobada faz com que a câmera fique cada vez mais trêmula; as cores, mais quentes; e a trilha sonora, mais agitada, passando até mesmo por ritmos como o forró.
       A própria angústia, presente nas duas situações, é representada em planos distintos e faz com que o espectador se porte de diferentes maneiras de acordo com o período retratado na tela. Se em certas ocasiões a indignação é causada pelo extremo preconceito de Marshall contra aqueles que ele chama de “cucarachas”, em especial Nonato; em outras é fruto da compaixão para com ele, agora mais humanizado (mas, vale lembrar, bem longe de ser um herói), e da simpatia de Bia, que ganha seu espaço e cumpre importante papel na trama.
       Por fim, a construção do suspense em Olhos Azuis impressiona, e as duas tramas convencem justamente por convergirem em um final que é até esperado, mas não óbvio, e que foge tanto de clichês e extremismos desnecessários quanto de discursos excessivamente didáticos ou panfletários, ainda que apresente uma importante discussão acerca das diferenças culturais, sociais, políticas e históricas entre os Estados Unidos e as nações latino-americanas. Não é só um ótimo filme sobre a queda de um homem de sua posição de falsa superioridade, mas também uma aula correta e coerente sobre uma questão extremamente controversa. É o cinema brasileiro se mostrando acessível ao público sem cair em antigos estigmas e estereótipos.

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